PARECER Nº 3/2023/COFEN/PROGER/DPAC/SPC PROCESSO Nº 00196.000883/2022-21

Prescrição de medicamentos por Enfermeiro.

20.07.2023

Prescrição de medicamentos por Enfermeiro.
Legislação, Normativos e Pareceres. Lei n.º 7.498, de 25 de junho de 1986. Documento da ICN, Portaria nº 2.436/2017, Parecer de Conselheiro Federal n.° 180/2018/Cofen, Parecer de Conselheira Federal n.° 240/2021/Cofen e Parecer de Relatora n.º 280/2022/Cofen.
Anvisa já reconhece a prescrição de medicamentos por Enfermeiro. Art. 4º da RDC n.° 20/2011.
Problemáticas na Prescrição de Medicamentos por Enfermeiro na farmácia Popular.
Conclusão: notificar o Ministério da Saúde.

 

ILUSTRE PRESIDENTE DO CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM (COFEN)

 

RELATÓRIO

Grupo

Foi criado um Grupo de Trabalho para realização de estudos sobre prescrição de medicamentos por enfermeiros.
Membros

Segundo o teor da Portaria Cofen ​n.º 1.640 de 14 de dezembro de 2022 formalizou-se o Grupo de Trabalho-GT para realizar estudos sobre a prescrição medicamentos por enfermeiros, que passou a ser composto pelos seguintes membros: I – Dr. Vencelau Jackson da Conceição Pantoja, II – Dra. Tatiana Maria Melo Guimarães, III – Dr. Manoel Vieira de Miranda Neto, IV – Dr. Roberto Martins de Alencar Nogueira, V – Dra. Cleide Canavezi Mazuela, e VI – Dr. Conrado Marques de Sousa Neto.
Esse é o breve relato.
FUNDAMENTAÇÃO

LEGISLAÇÃO

Passando à legislação cerne do tema, a Lei n.º 7.498, de 25 de junho de 1986, que dispõe sobre a regulamentação do exercício da enfermagem, dispõe na sua alíena “c”, II, do seu Art. 11, que o Enfermeiro exerce todas as atividades de enfermagem, cabendo-lhe como integrante da equipe de saúde promover a prescrição de medicamentos estabelecidos em programas de saúde pública e em rotina aprovada pela instituição de saúde, senão vejamos:

“Art. 11. O Enfermeiro exerce todas as atividades de enfermagem, cabendo-lhe:
I – privativamente:
[…]
II – como integrante da equipe de saúde:
[…]
c) prescrição de medicamentos estabelecidos em programas de saúde pública e em rotina aprovada pela instituição de saúde;”

NORMATIVOS E PARECERES

Documento do ICN

Primeiramente cumpre-se trazer à baila o documento “ICN Nurse prescribing guidelines for tuberculosis and latent tuberculosis infection” de 2021, que apresenta diretrizes para enfermeiros que desejam prescrever medicamentos para o tratamento da tuberculose (TB) e da ILTB. O artigo destaca que a prescrição de medicamentos para TB e ILTB pode ajudar a melhorar o acesso aos cuidados de saúde e aumentar a adesão dos pacientes ao tratamento. No entanto, é importante que os enfermeiros que irão prescrever medicamentos tenham uma capacitação adequada, incluindo conhecimentos sobre farmacologia, patofisiologia, diagnóstico e tratamento.

Portaria n.º 2.436, de 21 de setembro de 2017

A Portaria n.º 2.436, de 21 de setembro de 2017, que aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), reconhece o enfermeiro como prescritor, no item 4.2.1, veja:
“4.2.1 – Enfermeiro:
[…]
II – Realizar consulta de enfermagem, procedimentos, solicitar exames complementares, prescrever medicações conforme protocolos, diretrizes clínicas e terapêuticas, ou outras normativas técnicas estabelecidas pelo gestor federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal, observadas as disposições legais da profissão;”

Parecer de Conselheiro Federal n.° 180/2018/COFEN

Dentre os normativos também destaca-se o Parecer de Conselheiro Federal n.° 180/2018/COFEN que dispõe sobre a Prescrição de Medicamentos e Solicitação de Exames para TB na Atenção Básica e deixa claro em sua conclusão que:

Ante ao exposto, entendemos que o enfermeiro tem competência técnica e legal para realizar a consulta de enfermagem, solicitar exames (BAAR, raio x de tórax, cultura, identificação e testes de sensibilidade para BK, prova tuberculínica, aconselhamento pré-teste e pós- teste rápido para diagnóstico de HIV sob autorização), iniciar o tratamento e prescrever medicações do esquema básico de TB, realizar encaminhamentos, agendamentos e eventos que necessitem de sua supervisão ou orientação, observando os limites legais, técnicos e éticos da profissão.
Diante da legislação pertinente e no âmbito do Conselho Federal de Enfermagem, não existe impedimento legal do profissional enfermeiro solicitar exames e realizar a prescrição medicamentosa do esquema padronizado de tratamento da tuberculose, considerando os protocolos contidos nos Manuais, Normas e Diretrizes do Programa de Controle da Tuberculose.

Neste Perecer supracitado, também por consulta do Ministério da Saúde, o Cofen se manifestou favorável quanto a solicitação de exames e prescrição de medicamentos desde que considere os protocolos, manuais, normas e diretrizes emanadas pelo Ministério da Saúde em respeito aos limites legais de cada profissão de saúde.

Parecer de Conselheira Federal n.° 240/2021/COFEN

Vale a pena referendar o Parecer de Conselheira Federal n.° 240/2021/COFEN cuja conclusão apresenta-se a seguir:

“Pelo exposto fica evidente que faz parte das atribuições do enfermeiro, a consulta de Enfermagem sistematizada, na qual pode solicitar exames de rotina e complementares, quando no exercício de suas atividades profissionais, bem como prescrever medicamentos estabelecidos em protocolos ministeriais e em rotina aprovada pela instituição de saúde, como integrante da equipe de saúde. Além de encaminhar a outro profissional quando a necessidade da pessoa cuidada ultrapassar suas competências legais.”

Parecer de Relatora ​n.º 280/2022/COFEN

Reforçando esse entendimento o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) aprovou no dia 25/11/2022 parecer que reforça a legalidade do enfermeiro na prescrição de medicamentos e exames laboratoriais e complementares na Atenção Básica, mediante protocolo. O parecer foi aprovado durante a 547ª Reunião Ordinária de Plenário (ROP).
A prescrição de medicamentos e exames laboratoriais são competências asseguradas pela Lei do Exercício Profissional de Enfermagem (Lei 7.498/1986). Para isto, os enfermeiros podem seguir as orientações conforme o documento de Diretrizes para Elaboração de Protocolos de Enfermagem na Atenção Primária à Saúde pelos Conselhos Regionais, aprovada em 2018 pelo Cofen.
Segundo a conselheira Helga Bresciani, a construção de protocolos devem levar em consideração não apenas as normas promulgadas por gestores de saúde responsáveis pelo trabalho na Atenção Primária, mas também as diretrizes elaboradas pelo Cofen. O Conselho Federal de Enfermagem não apenas normatiza o trabalho dos profissionais de Enfermagem, mas também trabalha na redução de falhas, seja na comunicação ou até mesmo em eventos contrários à assistência garantindo assim a segurança do paciente, complementou.
A legitimidade de atuação do enfermeiro quanto à prescrição de medicamentos e solicitação de exames laboratoriais, imagens diagnósticas ou dispositivos também é reforçada pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), por meio do documento Ampliação do Papel dos Enfermeiros na Atenção Primária à Saúde (APS), que caracteriza as práticas entre as setes atividades clínicas avançadas, definidas pelo Conselho Internacional de Enfermeiros (ICN).
Nesse sentido foi o teor do Parecer de Relatora n.º 280/2022 no processo administrativo Cofen n.º 1.190/2021 da Conselheira Relatora, Dra. Helga Regina Bresciani. Analise o voto da ilustre gestora:

“[…]
IV – VOTO
Diante das considerações expostas, meu voto segue as seguintes indicações:
Prescrição de medicamentos e exames laboratoriais são atribuições previstas na legislação vigente. Para tal, esta previsão deve estar em programas de saúde pública e em rotina previamente aprovada pela Instituição de Saúde, como os protocolos.
Para construção de um protocolo a Enfermagem deve levar em consideração às normas e diretrizes emitidas pelos gestores de saúde Federal, Estadual e Municipal que orientam o processo de trabalho na Atenção Primária, no entanto as condutas profissionais deve seguir as diretrizes fomentadas e subsidiadas pelo Conselho Federal de Enfermagem, que além de normatizar o trabalho dos profissionais de Enfermagem, contribui para a redução de falhas na comunicação e redução de eventos adversos no processo assistencial, baseado em evidências cientificas e segurança do paciente.[…]”

A ANVISA JÁ RECONHECE ESSA ATRIBUIÇÃO DO ENFERMEIRO

No mesmo sentido dos normativos e pareceres supracitados, a Anvisa reconhece a atribuição do enfermeiro sobre a prescrição de medicamentos estabelecidos em programas de saúde pública e em rotina aprovada pela instituição de saúde, conforme a Lei n.º 7.498/86. A prescrição também está referendada por portarias do Ministério da Saúde, e é uma realidade consolidada na atenção básica.

RDC n.º 20/2011 alterou a RDC n.º 44/2010

Sobre o tema ostenta-se registrar que foi solicitada a revisão da RDC n.º 44/2010, que dispõe sobre o controle de medicamentos antimicrobianos de uso sob prescrição, e essa foi acatada pela agência reguladora com a edição da RDC n.º 20, datada de 05/05/2011, que dispõe sobre o controle de medicamentos à base de substâncias classificadas como antimicrobianos, de uso sob prescrição, isoladas ou em associação.
Assim, com o art. 4º da RDC n.° 20/2011 fica claro que a prescrição medicamentosa é de atribuição de todo e qualquer profissional regularmente habilitado, não se tratando, portanto, de ato exclusivamente médico ou odontológico. Por meio desta resolução da ANVISA, ficou estabelecido o que a legislação federal já previa, que o enfermeiro realiza prescrições de medicamentos pertencentes ao programa de saúde pública, tendo em vista também a relação de medicamentos certos e previstos no programa ou rotina da instituição. Note o teor do dispositivo:

“DA PRESCRIÇÃO
Art. 4º. A prescrição dos medicamentos abrangidos por esta Resolução deverá ser realizada por profissionais legalmente habilitados.”

Nesta ordem de ideias, todo e qualquer cidadão que tenha sido atendido por enfermeiro em algum programa de saúde e esteja portando um receituário com pedido de medicamentos que prescreva antimicrobianos, não pode ter negado a venda ou entrega do medicamento pois a nova Resolução 20/2011 da ANVISA está em plena conformidade ao estatuído no artigo 11, II, “c” da Lei n.º 7.498/86, e também referendada na PNAB – Política Nacional de Atenção Básica.
Agora no programa Farmácia Popular é que surge o verdadeiro impasse, senão vejamos.

PROBLEMÁTICAS NA PRESCRIÇÃO DE MEDICAMENTOS POR ENFERMEIROS NA FARMÁCIA POPULAR

Programa Farmácia Popular do Brasil (PFPB)

Sobre o programa Farmácia Popular os seguintes esclarecimentos devem ser prestados.
O Programa Farmácia Popular do Brasil (PFPB) é um programa do Governo Federal que visa complementar a disponibilização de medicamentos utilizados na Atenção Primária à Saúde (APS), por meio de parceria com farmácias e drogarias da rede privada. Dessa forma, além das Unidades Básicas de Saúde e/ou farmácias municipais, o cidadão poderá obter medicamentos nas farmácias e drogarias credenciadas ao PFPB.
O Programa Farmácia Popular do Brasil (PFPB) disponibiliza medicamentos gratuitos para o tratamento de diabetes, asma e hipertensão e, de forma subsidiada para dislipidemia, rinite, doença de Parkinson, osteoporose, glaucoma, anticoncepção e fraldas geriátricas. Nesses casos o Ministério da Saúde paga parte do valor dos medicamentos (até 90% do valor de referência tabelado) e o cidadão paga o restante, de acordo com o valor praticado pela farmácia.
Para a obtenção dos medicamentos e/ou fraldas geriátricas pelo Programa Farmácia Popular do Brasil (PFPB), o paciente deve comparecer a um estabelecimento credenciado, identificado pelo adesivo com a logomarca do Programa Farmácia Popular do Brasil (PFPB), apresentando os seguintes documentos:
documento oficial com foto e número do CPF ou documento de identidade em que conste o número do CPF;
receita médica dentro do prazo de validade, tanto do SUS quanto de serviços particulares. Para a obtenção de fraldas geriátricas para incontinência, o paciente deverá ter idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos ou ser pessoa com deficiência, e deverá apresentar prescrição, laudo ou atestado médico que indique a necessidade do uso de fralda geriátrica, no qual conste, na hipótese de paciente com deficiência, a respectiva Classificação Internacional de Doenças (CID).
A Meta do Plano Nacional de Saúde (PNS) para os anos de 2020-2023 é expandir o programa “Aqui tem Farmácia Popular” para 90% dos municípios com menos de 40.000 habitantes.

Alíena “c”, II, do seu Art. 11 da Lei n.º 7.498, de 25 de junho de 1986

Como já mencionado, a Lei n.º 7.498, de 25 de junho de 1986, que dispõe sobre a regulamentação do exercício da enfermagem, dispõe na sua alíena “c”[1] , II, do seu Art. 11, que o Enfermeiro exerce todas as atividades de enfermagem, cabendo-lhe como integrante da equipe de saúde promover a prescrição de medicamentos estabelecidos em programas de saúde pública e em rotina aprovada pela instituição de saúde. Então por esse mesmo dispositivo não haveria óbice algum ao enfermeiro prescrever medicamentos na Farmácia Popular.

Receituário apenas por médico ou odontólogo no Programa Farmácia Popular do Brasil

Ocorre que, não se está permitindo a dispensação de medicamentos prescritos por enfermeiros. Isso porque no Programa Farmácia Popular do Brasil do Ministério da Saúde (0099096), consta que o acesso aos benefícios do Programa é assegurado mediante a simples apresentação de receituário médico ou odontológico, prescrito de acordo com a legislação vigente, contendo um ou mais medicamentos disponíveis. Observe o item 4.2.2.2 do referido programa:

“O acesso aos benefícios do Programa é assegurado mediante a simples apresentação de receituário médico ou odontológico, prescrito de acordo com a legislação vigente, contendo um ou mais medicamentos disponíveis.
[…]
4.2.2.2 Dispensação dos Medicamentos As unidades do Programa atuam como prestadoras de serviços de saúde e dispensam medicamentos apenas mediante apresentação de receituários médicos ou odontológicos, prescritos de acordo com a legislação vigente, considerando-se o nome genérico do medicamento e oriundos de serviços privados ou públicos de saúde.”

Cerceamento de direito

Essa proibição de enfermeiros na Farmácia Popular está cerceando o direito do paciente e do profissional, além de ferir a autonomia do profissional enfermeiro. Os gestores de cada unidade de dispensação não podem negar-se a fornecer o medicamento prescrito pelo enfermeiro, uma vez que este esteja vinculado à instituição que contenha programa, protocolos de saúde pública ou rotinas aprovada pela instituição de saúde, exemplo, Ministério da Saúde, Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde.

Aumento de infecções transmissíveis e agravamento de doenças crônicas

E por consequência disso, a questão torna-se urgente e fundamental, pois, quanto mais rápido o atendimento, menores as chances de proliferação de infecções transmissíveis e a morbidade e mortalidade por doenças crônicas por falta de acesso à medicação de uso contínuo.
Assim, a falta de acesso a medicamentos de uso contínuo, em tempo oportuno, causa o agravamento do quadro no caso de doenças crônicas.
Ora, a ação articulada dos profissionais de saúde da atenção básica é essencial para políticas de saúde e demais programas instituídos pelo Ministério da Saúde, a fim de garantir a realização de teste e tratamento imediato.

DA CONCLUSÃO

Diante do exposto opina-se por:
Notificar o Ministério da Saúde para que adote as medidas cabíveis no sentido de garantir a autonomia do enfermeiro no aceite da prescrição de medicamentos nas farmácias assim como no Programa Farmácia Popular do Brasil, em especial alterando o Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC)[2] da ANVISA para incluir o profissional enfermeiro como prescritor de antibióticos, tendo em vista que hoje só é permitida a apresentação de receituário por médico ou odontológo.
Esse é o parecer que se submete à consideração superior.
Respeitosamente,

Brasília-DF, 27 de abril de 2023.

Dr. Vencelau Jackson da Conceição Pantoja
Coordenador

Dra. Tatiana Maria Melo Guimarães
Membro

Dr. Roberto Martins de Alencar Nogueira
Membro

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